Startups e o fim do dinheiro barato
Até pouquíssimo tempo, falar sobre bolha nas empresas de tecnologia era quase um pecado, era certo ser rotulado como pessimista, mesmo com avaliações superinfladas de startups sem receita que registravam enormes perdas ano após ano em nome do crescimento.
Vivíamos uma época de euforia e as razões tinham um motivo, o dinheiro incrivelmente barato nos últimos anos, com juros reais negativos em grande parte do mundo que resultou num custo de empréstimo que em algumas situações foi reduzido a quase zero.
Como diz o ditado “não há bem que sempre dure”, os Estados Unidos, deram o início para reverter este cenário com o banco central americano FED começando a aumentar as taxas básicas de juros e reduzindo outros estímulos. Isto tem como resultado imediato a correção nos mercados acionários e gradativamente vemos o aumento do custo do dinheiro.
Alguns céticos ainda inebriados pelo período de bonança insistem que o movimento está localizado nas bolsas de valores e que o mundo real é diferente, mas ai está o engano, pois todo o ecossistema privado funciona como uma versão amplificada do NASDAQ, portanto, o impacto tende a ser muito maior nas empresas privadas e na forma como elas são investidas, só que demora um pouco mais para chegar, por isto a sensação de que nada está acontecendo.
O impacto começa já no M&A (fusões e aquisições) pois quando o preço das ações de uma empresa cai ela tem menos poder de compra, outro impacto é na retenção de talentos pois os planos de Stock Options (participação) deixam de ser atrativos, provocando uma migração de capital intelectual para grandes corporações e finalmente na parte mais sensível, o funding (captação de recursos) pois em momentos como este, além de terem reduzidos os retornos de capital de risco os investidores tem opções mais interessantes de alocação.
O fato é que terá menos dinheiro disponível para startups e o que tiver será direcionado as mais eficientes, o que não é uma coisa tão ruim, já que a ultima temporada produziu muitas empresas que não trouxeram nenhum ganho de produtividade ao mundo, pelo contrário criou-se uma cultura de desperdício de recursos.
Este será um momento de depuração, empresas ineficientes tendem a desaparecer caso não sejam responsáveis com os recursos disponíveis e parte desta responsabilidade passa pelos profissionais que nelas atuam.
Vou dar um exemplo prático do que eu vi no ano passado, fui contratado para avaliar uma startup teoricamente já madura com dificuldades financeiras e de escala. O ambiente que encontrei foram sistemas mal desenvolvidos, ineficientes e com altíssimo consumo de nuvem. Na fase inicial esta startup recebeu incentivos que incluíam “gratuidade” de serviços de nuvem por dois anos, o que aconteceu foi que a equipe responsável em nenhum momento se preocupou com a eficiência, como se escalar fosse simplesmente adicionar maquinas e redimensionar recursos. Só que este período acabou e começaram as cobranças, resumindo a conclusão é que a empresa era inviável financeiramente sem uma profunda reestruturação da arquitetura e sistemas existentes.
Este caso não é isolado, vejo muita discussão rasa sobre a tecnologia a, b ou c e pouca profundidade sobre a eficiência, pois não basta funcionar tem que ser viável. Uma das métricas a se observar nos próximos anos de vacas magras é o consumo de nuvem pois no caso citado acima, os resultados que eram esperados em x tempo levavam 3x tempo a mais que o esperado, tornando o serviço oferecido inútil e a equipe responsável pelo desenvolvimento não se sentia responsável.
Não existe bala de prata, não existe uma única tecnologia ou abordagem que resolverá todos os problemas, os profissionais precisam alcançar a maturidade e compreender isto, principalmente parar de perder tempo defendendo o que tem afinidade e atacando as demais. Soluções eficientes muitas vezes envolvem N tecnologias, cada uma dentro do seu raio de eficiência que integradas atuam como um “dream team”.
Como eu já disse, menos dinheiro disponível para startups irá selecionar as mais eficientes e como empresas são feitas por pessoas estas também serão selecionadas, ineficiência perderá espaço, acabaram-se as épocas de vacas gordas. Não faz muito tempo escrevi um outro artigo falando sobre a importância de formar profissionais experientes, vale a pena para reflexão também.