Porque os juros para as Startups irão subir
No ultimo artigo que escrevi sobre Startups e o fim do dinheiro barato surgiram dúvidas sobre o por que dos juros estarem subindo, como eu trânsito por várias tribos vou procurar fazer aqui uma intersecção para explicar de forma não muito técnica as razões.
A origem de tudo esta relacionada diretamente a taxa básica de juros no campo negativo em praticamente todas as economias desenvolvidas. Como não se mantem juros baixo apenas com a “caneta”, já vimos isto no Brasil num passado recente durante o ultimo governo Dilma, existe uma complementação que é uma politica monetária em que os governos compram títulos públicos e privados, conhecida sob a sigla QE (Quantitative Easing). Como os maiores detentores destes títulos são os bancos, este aumento na oferta de dinheiro não fica parado no caixa, ele precisa circular, então é emprestado e pela lei de oferta e procura, maior oferta ajuda a manter os juros baixos. Na prática é uma impressão de dinheiro pelos governos, por isto os memes do Powell (presidente do FED) com uma impressora de dólares.
Em alguns momentos o governo americano já ameaçou reduzir este estimulo monetário, tanto que em 2016 tivemos a primeira crise de crédito para Startups, foi a maior queda anual (32%) desde 2001 época da “bolha da internet”, mas como o mercado estava acostumado aos estímulos e reagiu mal, os estímulos foram retomados, o mesmo ciclo aconteceu em 2018, mas neste ponto já existia um certo ceticismo de que seria real e os estímulos logo voltariam, o que de fato aconteceu pouco tempo depois.
Durante este grande período ocorreu o que se chama de inflação de ativos, estimulados pelas taxas de juros negativas, ninguém queria “segurar” dinheiro, era aceitável um pouco mais de retorno sem se importar muito com o risco e neste cenário, muitos fundos captaram para investimento em startups e eram igualmente lenientes. Não foi uma exclusividade das startups, tudo teve seu hype, dos tradicionais como relógios, obras de arte, imóveis até barcos e aviões, tudo se valorizou.
Então veio a pandemia e além de abusar ainda mais com os estímulos ao sistema financeiro (visível no gráfico acima), os governos passaram a emitir dinheiro diretamente aos cidadãos, os famosos “stimulus check” aqui conhecidos como auxílios emergenciais, que foram bem vindos durante os períodos iniciais de incertezas, mas como todo remedio e veneno são duas faces de uma mesma moeda, o equilíbrio está na dose e hoje está mais do que claro que se errou na dose. O resultado imediato foram cenas inusitadas como lojas de fast-food não abrirem porque não tinham atendentes, piscinas vazias porque não tinham salva vidas, ninguém tinha “motivação” para trabalhar porque recebiam para ficar em casa.
Em casa as pessoas gastaram investindo em melhor estrutura para trabalhar, se exercitar, se divertir, etc … E como forma de “motivar” as pessoas a voltar a trabalhar, os empresários aumentaram os salários, tudo isto foi ótimo, movimentou a economia e uma catástrofe econômica como prevista nos primeiros momentos da pandemia não se concretizou, mas já estava em gestação uma inflação diferente da inflação de ativos, que foi negligenciada num primeiro momento e depois dada como passageira. Guardadas as devidas proporções isto aconteceu também aqui no Brasil.
Com a pandemia um outro ingrediente um pouco mais complexo foi adicionado, que foi a quebra nas cadeias de produção, que resultou em falta de alguns insumos básicos para indústrias automobilística, farmacêutica, construção civil, eletroeletrônicas e alimentícia, escassez gera aumento de preços, ou seja, inflação.
E para completar a tempestade perfeita, temos uma guerra por enquanto localizada no leste europeu, mas que envolve um dos maiores fornecedores de energia para a Europa, que fez o custo da energia disparar no mundo todo, em especial na Europa que tem uma forte agenda ESG, que naturalmente já eleva o custo de energia.
O quadro é bem complexo pois não tem um motivo único, são vários componentes e alguns de difícil manejo. Ninguém sabe o futuro, mas o cenário não é simples e totalmente diferente de tudo que já vivemos em qualquer outro momento da história. Mas algo tem que ser feito, a inação pode custar muito mais caro e a inflação se torna cada vez mais o tema inevitável no mundo.
E como se lida com inflação? Uma das formas que os governos tem é o aumento das taxas de juros, porque fica mais caro pegar empréstimos, incentiva a poupança, diminuindo a quantidade de dinheiro girando na economia e com isto há menos pressões inflacionárias. O problema é que isto tende a desacelerar o crescimento e os governos relutam, porque é impopular, o próprio FED fala em retornar a inflação à meta, sem causar recessão, algo que poderia e deveria ter sido feito há pelo menos seis meses, mas quanto mais tempo demora mais difícil fica.
Mas estamos ano eleitoral e inflação é impopular, mais impopular que recessão, mais impopular até que o desemprego. Biden está sob pressão, o FED está sob pressão, estes dias Powell teve que dar explicações aos congressistas nos Estados Unidos, então as taxas de juros estão subindo e continuarão a subir e ainda tem a promessa de reversão dos estímulos monetários QT (Quantitative Tightening)
O Brasil desta vez está na frente do restante do mundo, aqui os juros já subiram, nos Estados Unidos estão subindo, em outros países como o bloco europeu, a questão é mais complexa ainda pois estão atordoados com números de inflação até recentemente inimagináveis para economias desenvolvidas e resistentes a retirar os estímulos e aumentar os juros.
Falo sempre dos Estados Unidos, porque é como no mercado financeiro costuma se chamar a “matriz”, o investimento em startups no Brasil é muito incipiente. Apesar de não observarmos a mesma exuberância irracional da matriz, tivemos alguns valuations aqui muito exagerados, que podem inclusive ter feito mais mal do que bem para um ecossistema nascente e imaturo. Podemos ver mais a frente “Down Rounds”, onde novas captações são feitas em valuation inferior ao(s) anterior(es), só o tempo dirá. Estamos vivendo a história!
Estamos num mundo globalizado, é fato, aqui não será diferente os juros para as Startups irão subir e o “funding” ficará mais escasso, quanto mais claro isto estiver, melhor preparado estará, não adianta querer continuar a se enganar. “Cash is King again”, trabalhe para gerar mais e cuidar bem do que tem.