Recentemente fizeram uma pergunta que num primeiro momento pode parecer ser fácil de responder mas não é. Como começar a investir?
Logo de cara eu respondi sem pensar, se não sabe, coloca num CDB de “bancão”, que remunere no mínimo 100% CDI, ainda mais com a taxa de juros atual.
Tomei como resposta, “já fiz isto, mas não aprendi nada até agora”, retruquei, aprendeu a lição mais importante que é não perder dinheiro.
Mas como estávamos num grupo logo vieram várias outras sugestões, do tipo daquelas quando se pergunta como aprender andar de bicicleta, sobe numa e vai andando …
Uma das recomendações era “diversifique compra um de cada, ação, BDR e FII, vai se acostumando com o Home broker e assim vai aprendendo”, como se investir se resumisse a um ato operacional, depois disto vi que o assunto merecia um pouco mais de profundidade, porque esta infelizmente deve estar sendo a iniciação de muita gente.
Não é questão de “ditar regra” como costumam dizer, mas baseado na minha própria experiencia e observação de pessoas próximas, organizei alguns pontos que considero importantes para responder com responsabilidade.
O que não fazer
Vou começar pelo que NÃO fazer, investir não é como andar de bicicleta, subir e sair andando, exige conhecimento e diligencia, então não faça nada sem saber o que está fazendo e investir somente pelo motivo de que alguém disse, não importa se amigo, influencer, gerente do banco, AAI ou casa de analises, é igual a fazer algo sem saber o que está fazendo.
Auto-conhecimento financeiro
Para ter condições de decidir se investe num CDB, tesouro direto, debentures, fundo de investimentos, o tipo de fundo, se compra e vende ativos diretamente pelo home broker, o tipo de ativo ou até mesmo deixar na poupança. É preciso antes de tudo ter conhecimento das próprias condições e com isto definir o seu perfil e começar a construir sua tese de investimento.
Sugiro que para começar a conhecer a si mesmo, do ponto de vista financeiro, inicie por responder as seguintes perguntas:
É assalariado, empreendedor formal/informal, funcionário público ou aposentado?
Idade? Tem filhos? Pais ou mais alguém que seja dependente economicamente?
Tem imóvel proprio, carro, moto?
Quanto é o rendimento mensal, liquido de impostos e contribuições?
Quais são despesas recorrentes mensais (moradia, internet, alimentação, educação, transporte, saúde, entreterimento, etc …)
Qual capacidade de poupar mensalmente?
Quanto já tem poupado?
Este conhecimento básico, já permite a construção de uma primeira versão de uma tese de investimento, com base na idade, patrimônio, despesas recorrentes e capacidade de poupar, pode-se por exemplo definir o tamanho da reserva de emergência, que diferente das regras simplistas de x meses de despesas é muito mais sensível a origem da renda, um empreendedor deve ter uma reserva de emergência maior que um assalariado e que um funcionário publico, a idade também influencia, mas o ponto é o auto-conhecimento financeiro que permitirá mais clareza nas decisões que virão na sequencia.
Outra derivada não muito obvia, é que se é um empreendedor já tem uma posição de risco implícita, portanto, o ideal como forma de equilibrar o risco total é ter investimentos de baixo risco, oposto a isto se é um funcionário público a estabilidade dos rendimentos permite aceitar investimentos de maior risco.
Risco
O próximo passo depois de reconhecer as suas condições particulares é começar a compreender sobre risco. Em investimentos, risco está associado diretamente a perda do capital, cada tipo de investimento tem um nível de risco, onde o menor nível de risco são os títulos de divida de curtíssimo prazo do governo, (Treasuries no US e Selic aqui no Brasil). O conceito de risco tem muitas nuances e é um tema a ser aprofundado, mas para quem está começando é importante aprender a usar o risco como uma métrica se um determinado investimento está alinhado ao seu perfil, tese ou até mesmo se compensa.
Liquidez
O tempo é um fator muito importante quando se trata de investimentos, liquidez é a medida de tempo que leva para transformar um ativo financeiro ou não em moeda corrente, expresso no saldo da conta bancária, por exemplo, é possível investir no sendo remunerado por uma determinada taxa de juros mais correção monetária, mas para garantir as condições pré-estabelecidas na contratação é preciso respeitar o prazo de vencimento, ou seja só terá liquidez no vencimento.
Alocação
Aplicando apenas os conceitos de risco e liquidez, fica fácil decidir que a reserva de emergencia deve ser investida com baixo risco e liquidez imediata e conhecendo suas necessidades o quanto deve ser a alocação na reserva de emergência.
O excedente de recursos financeiros, além da reserva de emergência, pode ser distribuído, diversificado, entre outros tipos de investimento com maior ou menor risco e liquidez, com o objetivo de maior rentabilidade sobre o patrimônio, mas sempre levando em conta também o perfil pessoal, por exemplo, independente do risco, um investimento com liquidez de 20 anos, pode fazer sentido para um jovem de 30 a 40 anos, mas nenhum sentido para alguém com 70 anos.
Diversificar os investimentos é importante, especialmente quando o patrimônio começa a crescer, mas aumentar risco não é uma condicionante e como o processo de decisão começa a ficar um pouco mais complexo, exige estudo, análise e disciplina, mesmo que a decisão seja por alocar em fundos de investimento.
Imóvel proprio
Antes de começar a falar sobre diversificação é importante uma pausa para uma reflexão, caso não tenha um imóvel próprio para morar, este deveria ser considerado como investimento prioritário antes de qualquer outro tipo de ativo. A segurança que pode proporcionar em tempos difíceis é de valor intangível.
Renda fixa x renda variável
Dando prosseguimento, didaticamente os investimentos se dividem em dois principais grupos, a renda fixa e variável.
A definição clássica de renda fixa é o investimento que no momento da contratação já se sabe o quanto irá receber e a renda variável é o oposto, o valor pode variar em função de diversos fatores como liquidez, condições de mercado, reversão de expectativas de cenários previstos entre outros.
Renda fixa é em essência um titulo de divida onde o emissor da divida, quem está tomando emprestado o dinheiro, pode ser o governo (tesouro) ou uma empresa (credito privado) se compromete a pagar um determinado juro pelo empréstimo. Este juro pode ser pago integralmente junto com o principal no vencimento ou pode ser pago mensal, semestral ou anualmente, sempre conforme pré-acordado e definido. Mesmo que o investimento seja através de um fundo de renda fixa, em essência continua sendo dívida.
Mas a renda fixa pode variar, os fatores tempo e risco tem uma influencia muito grande, se um titulo de divida vence em 10 anos, mas for preciso resgatar ele agora, certamente haverá um deságio, da mesma forma que se desde a emissão o risco do emissor da divida, aumentou ou diminuiu, também pode gerar variação.
Ou seja o que deveria ser simples não é tão simples assim, da mesma forma que é muito comum associar a renda variável ao investimento em ações e a ganhos superiores no longo prazo, o que também não é uma certeza.
Ações
Não é objetivo deste artigo ensinar como investir em ações, mas o alerta para quem está querendo começar é que o caminho não é comprar alguma coisa pra ir conhecendo, aprender usar Home broker não é aprender a investir em ações. Investir em ações envolve conhecer as empresas, seus mercados de atuação, como estão posicionadas, saber fazer um valuation, conhecer um pouco de contabilidade, economia, enfim é um processo de aprendizado que pode levar muitos anos dependendo da sua formação. Existem ferramentas que podem facilitar e apoiar a tomada de decisão, mas num mercado competitivo como é o mercado financeiro, não é inteligente delegar cegamente a ferramentas massificadas a decisão de onde investir seu dinheiro.
Atenção especial a um tipo de ação que são os BDRs, ações de empresas estrangeiras, existe um risco implícito que é a variação do dólar. Se comprar uma ação da Microsoft no Brasil ela subir, mas o dólar cair mais do que ela subiu no período, perde dinheiro. Acerta a empresa, acerta o movimento mas erra na forma do investimento.
Outro tipo perigoso são os FIIs, fundos imobiliários, que ficaram famosos num passado recente, pela renda mensal e isenção de imposto de renda. Demanda muito esforço e tempo conhecer os tipos de fundo, composição (especialmente os chamados fundos de papel, que investem em dividas imobiliárias) pois não parece, mas é um investimento de alto risco tanto de taxa como de crédito.
Fundos de investimento
Então investir em renda fixa ou renda variável demanda conhecimento, tempo e dedicação, então até que eu saiba o que fazer vou colocar tudo em fundos de investimento, mas como escolher os fundos que irei alocar? Responder esta pergunta remete a praticamente tudo que já foi dito até o momento, mas o mínimo é aplicar as regras de risco e liquidez, para isto é preciso conhecer os fundos, seus mandatos, teses de investimento e não apenas olhar a lista de rentabilidade dos últimos x meses ou anos. Aqui a fonte oficial de informação detalhada sobre todos os fundos https://data.anbima.com.br/fundos
Derivativos
Derivativos como o próprio nome diz, são derivados, são instrumentos financeiros conhecidos como opções, termos, mercado futuro, etc e para um iniciante só faz sentido o alerta que se utilizar destes instrumentos demanda um conhecimento muito mais específico de tudo que já foi falado até o momento. Portanto deveria ser descartado para um principiante, infelizmente o que se observa é que esta tem sido a porta de entrada de muitos, atraídos pelas promessas de ganho fácil e rápido. Isto é péssimo para a maturidade de um mercado financeiro, pois as tragédias que se observam, além de afetar os diretamente envolvidos, cria uma aura de que investimento é especulação e jogatina, quando deveria ser uma atividade permanente que permita uma vida mais digna em todas as suas etapas.
Especulação
Um parêntesis sobre este aspecto é que sim, existem especuladores no mercado financeiro, mas é uma atividade profissional que não tem a mesma conotação de investimento. Um especulador é um profissional, vive desta atividade, se preparou, estudou e se aperfeiçoa com o objetivo de especular no mercado e apesar de coexistir dentro do mesmo ecossistema, ser fundamental para o bom funcionamento do mercado, tem objetivos distintos do investidor.
O que fazer
Para quem chegou ate aqui, pode parecer que o objetivo era desestimular qualquer tipo de investimento e simplesmente reforçar o argumento de colocar o dinheiro num CDB de “bancão” ou mesmo poupança, mas na realidade o objetivo foi apenas alertar sobre riscos de uma iniciação atabalhoada e deixar claro que não existem atalhos ou fórmulas mágicas.
Para quem tem interesse em aprender a como investir, os conceitos apresentados podem servir de base, para elaborar uma trilha de estudos, tem muito material disponível atualmente na internet e em livros, além de cursos de qualidade que abordam aspectos técnicos e operacionais. Só reforço o alerta para fugir das armadilhas da vida fácil, ela não existe.
Enquanto aprende, faça o simples, voltando ao exemplo de aprender a andar de bicicleta, começar aprendendo num plano aberto, pode ser mais longevo e prazeroso que se lançar logo de cara num downhill.
Paulo Moreno
Empreendedor serial, conselheiro consultivo e investidor anjo/seed em startups de base tecnológica ligadas a Saúde, AI e Equity Crowdfunding.
Apaixonado por inovação, história e tecnologia e que para manter o equilíbrio adora pedalar e viajar.
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