Lendo as mais variadas manchetes e algumas noticias sobre o censo no Brasil, comecei a me questionar porque ninguém nunca pensou em modernizar um processo, que com poucas modificações, é essencialmente o mesmo há décadas.
Num primeiro momento e influenciado pelo meu viés mais presente que é de tecnologia, o pensamento arremeteu diretamente aos vários dados coletados pelos órgãos públicos no nosso dia a dia, desde o momento do nascimento. Pois absolutamente para todos os serviços públicos; educação, saúde, segurança, transporte, moradia, etc. Temos que fornecer como contra partida básica, vários dos nossos dados, mesmo que se estude numa escola particular toda a vida ou tenha um plano de saúde, as empresas tem obrigações regulatórias de informar vários dados para diferentes órgãos públicos. Isto tudo sem falar do “leão” a temida receita federal, esta é capaz de saber mais de você que você mesmo.
Mas para não ser traído pelo viés, primeiro fiz um exercício de validar meu entendimento sobre o modelo do censo atual, depois pesquisei sobre os modelos americano e inglês, tentei ainda obter informações sobre o modelo indiano, mas não consegui dados suficientes e para finalizar, fiz uma análise dos dados presentes em cada um dos principais grupos de cadastro relacionados aos serviços públicos que selecionei, para embasar minha elucubração do que poderia ser um esboço de um processo mais moderno e eficiente.
Censo Brasil 2022
Começando pelo modelo do Censo 2022, a premissa é a pesquisa porta a porta, “Serão visitados todos os domicílios do país e qualquer morador, acima de 12 anos, capaz de fornecer as respostas às perguntas do questionário, pode responder ao recenseador por todos os demais moradores daquele domicílio.” (https://censo2022.ibge.gov.br/etapas/censo-demografico-2022.html)
Apesar de constar no site do Censo, testes de coleta de dados por internet realizados em 2018 (https://censo2022.ibge.gov.br/etapas/testes-do-censo-2022/teste-de-coleta-pela-internet-2018.html) além deste, o único local onde há menção sobre o preenchimento por internet é no Guia do Censo para Jornalistas (https://censo2022.ibge.gov.br/pecas-de-divulgacao/guia-do-censo-para-jornalistas.html) e o o procedimento é abordado como alternativo, iniciando sempre com a visita presencial do recenseador, que cadastra o e-mail e celular para o recebimento de um token que é válido por 7 dias. Outra opção é por telefone, mas que também é considerado alternativo e envolve ligar para os recenseadores e realizar a entrevista por telefone.
Houve uma consulta pública em 2018 sobre o Censo, mas as contribuições foram muito mais relacionadas ao conteúdo do que à forma (https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/23095-ibge-apresenta-resultados-de-consulta-publica-e-discute-censo-2020-com-sociedade) dentre as parcerias estratégicas que constam no site do IBGE não tem nenhuma entidade relacionada a tecnologia (https://censo2022.ibge.gov.br/parcerias.html).
Não é meu objetivo, não tenho competência, avaliar o conjunto dos dados coletados, mas para fins de registro fica aqui o link para ambos os questionários utilizados o básico (https://censo2022.ibge.gov.br/np_download/censo2022/questionario_basico_completo_CD2022_atualizado.pdf) aplicado a maioria dos domicílios e o completo (https://censo2022.ibge.gov.br/np_download/censo2022/questionario_amostra_completo_CD2022_atualizado.pdf) que é selecionado randomicamente quando será aplicado, não encontrei informações sobre a metodologia utilizada na seleção randômica.
Para mais informações fica o link para o site oficial do Censo 2022 (https://censo2022.ibge.gov.br)
Censo Estados Unidos 2020
O modelo do Censo americano a partir de 2020 tem como premissa a coleta de dados prioritariamente por internet, seguido por telefone e por ultimo o correio como procedimento alternativo (https://www.census.gov/programs-surveys/decennial-census/decade/2020/planning-management.html). O preenchimento on-line, além da redução dos custos diretos com o processo, tem como justificativa a questão ambiental.
Foram enviadas cartas para todos os domicílios nos Estados Unidos, nelas continha um código para que on-line ou ligando para um número gratuito se pudesse responder ao censo. Depois de um tempo, para os domicílios que ainda não havia respondido, o Census Bureau enviou cartões postais de lembrete e um questionário em papel.
A opção por telefone, estava disponível em 12 diferentes línguas.
Para mais informações fica o link para o site oficial do Censo Americano (https://www.census.gov/data.html) em tempo, é um repositório de dados muito interessante, inclusive tem uma área dedicada aos desenvolvedores (https://www.census.gov/data/developers.html) com APIs e um SDK Javascript.
Censo Reino Unido 2021
O modelo do censo inglês é muito similar na forma, comparativamente ao americano, pois são enviadas cartas para todos os domicílios com código de acesso para preenchimento online e também o formulário que pode ser respondido e devolvido pelo correio.
Para mais informações fica o link para o site oficial do Censo Inglês (https://census.gov.uk/about-the-census)
Uma proposta de modernização para o modelo brasileiro
Voltando a motivação deste exercício, a simples observação da analise de outros modelos já temos um caminho fácil de modernização, apenas com uso mais intensivo de tecnologia, um paradoxo pois temos PIX e Urnas Eletrônicas, mas ainda realizamos Censo como no século passado.
Mas vou mais além, considerando os vários dados já coletados pelos órgãos públicos no nosso dia a dia, poderíamos inovar com um censo básico, mais objetivo e que seria enriquecido através da interoperabilidade das diversas bases de dados. Abaixo listo algumas destas bases que poderiam ser utilizadas.
Declaração de nascido vivo (DN), criada em 1990, é documento padronizado pelo Ministério da Saúde (MS) e de uso obrigatório em todo o território nacional para que ocorra o registro civil. Num dos blocos de dados, onde tem a informação da mãe, contem vários dados que também são coletados no censo. Um dos possíveis casos de uso, seria o acompanhamento dos dados de educação e migração.
Referencia completa para o documento (https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/arquivos/publicacoes/Manual_DN_02fev2011.pdf)
Declaração de Imposto de renda (https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/meu-imposto-de-renda), RAIS (http://www.rais.gov.br/sitio/sobre.jsf), e-Social (https://www.gov.br/esocial/pt-br) e o Cadastro Único (obrigatório para acesso aos programas sociais https://www.gov.br/pt-br/servicos/inscrever-se-no-cadastro-unico-para-programas-sociais-do-governo-federal), também contem vários dados que são coletados no censo, mas um se destaca que é o rendimento, presente no Censo 2022 e declarado motivo de receio por parte de alguns já entrevistados. A qualidade deste dado obtido a partir destas bases tende a ser muito maior que através do censo, outro aspecto a considerar é que a validade da informação obtida pelo censo,10 anos, a torna obsoleta em pouco tempo.
As bases de dados de saúde como Datasus (https://datasus.saude.gov.br/acesso-a-informacao/), CNES (https://cnes.datasus.gov.br) e ANS (https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/operadoras/compromissos-e-interacoes-com-a-ans-1/envio-de-informacoes-1) seguem na mesma linha, contem informações cadastrais e tem atualização mensal. A aplicabilidade em politicas públicas de saúde, seria mais eficiente, em especial devido a periodicidade de atualização, que as informações coletadas no censo.
Um dos itens do Censo 2022 é “A Pesquisa Urbanística do Entorno dos Domicílios”, o domínio desta informação é municipal e já está presente nas bases de dados que calculam e cobram o IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano). Inclusive alguns municípios descobriram o monitoramento de áreas urbanas por meio de imagens de drones e de satélite e estão trabalhando em leis que permitam ajustar as alíquotas do (IPTU) quando imagens geoespaciais comprovam alterações na metragem e benfeitorias dos imóveis, como também identificar novas construções irregulares. A integração destas informações no nível estadual e federal, também auxiliaria na formulação de politicas públicas de saúde e segurança.
Estes são apenas alguns exemplos, mas temos muitas outras bases de dados e este exercício poderia ser expandido facilmente apenas se utilizando de bases de dados existentes . Como referencia segue o link do Portal Brasileiro de Dados Abertos (https://dados.gov.br/dataset)
Mas elucubrando um pouco mais, poderíamos inovar com dados como consumo de energia elétrica, água, esgoto, telefonia, gás encanado, movimento em praças de pedágio, enfim todo e qualquer serviço que é concedido e/ou regulado pelos governos municipais, estaduais ou federal. Obviamente, que este movimento deve ser acompanhado de ações para assegurar a segurança da informação, coleta e armazenamento, além do tratamento correto dos dados em especial a anonimização com base nas premissas da LGPD.
Enfim com as novas tecnologias disponíveis atualmente, é possível revolucionar os métodos tradicionais de coleta e explorar a utilização de novas fontes de dados, para atender a crescente demanda por dados e com inteligência atuar nas necessidades cada dia mais complexas da sociedade.
Sempre que se fala em modernização uma das justificativas é que são necessários recursos financeiros que são escassos, inclusive o próprio Censo 2022 teve problemas relacionados a questão orçamentaria, mas uma possibilidade é que como o orçamento público tem destinação obrigatória de recursos para saúde e educação e muitos municípios não conseguem gastar todos os recursos a eles destinados, consequentemente acabam gastando mal, estes recursos fossem direcionados ao custeio do investimento e manutenção de toda esta infra-estrutura de interoperabilidade das bases de dados públicas com benefícios diretos as áreas de saúde e educação, por consequência estendidos à todas as demais áreas.
Capacidade técnica e engajamento para uma tarefas destas, estou certo que não faltaria, temos muita gente competente aqui no Brasil, precisamos apenas de vontade politica e que alguém do meio politico abrace esta ideia. Se achou interessante, ajude a divulgar, critique, melhore as proposições, quem sabe chega as mãos de alguém que esteja disposto a fazer a diferença e transformar o Brasil em vanguarda no uso inteligente de dados para o bem coletivo.
Para finalizar quero aproveitar e divulgar duas iniciativas, baseadas em dados públicos, que encontrei nesta minha pesquisa e que achei muito interessantes.
Iniciativa QEdu - https://novo.qedu.org.br/sobre
Iniciativa BD-https://basedosdados.org/quem-somos